segunda-feira, 15 de abril de 2013

O uso do cinto de segurança nos Bombeiros



Em Fevereiro de 2010, os bombeiros do Condado de Oklahoma participaram num estudo sobre o uso do cinto de segurança quando se encontravam em serviço[1]. O Condado de Oklahoma é um dos 77 condados do Estado americano do Oklahoma. A sede do condado é Oklahoma City, que é também a sua maior cidade e a capital do estado. O condado tem uma área de 1860 km² (dos quais 23 km² estão cobertos por água), uma população de 660 448 habitantes, e uma densidade populacional de 360 hab/km² (segundo o censo nacional de 2000). Neste estudo, foram incluídos vários tipos de corpos de bombeiros. O seu objectivo foi saber mais sobre a segunda causa de morte em serviço dos bombeiros americanos (line-of-duty deaths – LODDs), os acidentes com veículos (a primeira são os problemas cardiovasculares).

A U.S. Fire Administration (USFA)[2] regista as mortes em serviço dos bombeiros americanos desde há 30 anos e anualmente emite um relatório analítico. Com a recolha de informação sobre as causas de morte, a USFA permite-se focalizar a sua atenção para problemas específicos e empreender esforços para serem encontradas soluções no sentido de diminuir o número de mortes num futuro.
Segundo o Firefighter Fatality Retrospective Study 1990-2000, da U.S. Fire Administration, desde 1984 que as colisões com veículos a motor (MVCs), são responsáveis por 20 a 25% das mortes de bombeiros em serviço (line-of-duty death - LODDs). Em 27% das colisões, ocorreu a projecção de bombeiros para o exterior do veículo no momento da colisão, e, entre estes, somente 21% admitiu ter o cinto de segurança colocado antes da colisão. Nesta retrospectiva, a USFA recomenda que ”o condutor do veículo de socorro e o chefe de equipa devem, antes de iniciarem a marcha, certificarem-se que todos os bombeiros a bordo estão a usar o cinto de segurança”. 

Segundo o relatório da US Fire Administration de mortes entre bombeiros nos Estados Unidos, no ano de 2008 perderam a vida 14 bombeiros em acidentes de viação. Em todos estes casos, os bombeiros faziam parte da tripulação de veículos de combate, e em 8 dos 11 casos, os bombeiros não usavam cintos de segurança e sabiam da sua necessidade e utilização. Dos 8 condutores que não usavam cinto de segurança, 6 foram projectados para o exterior do veículo.
Em 2009, a USFA incluiu na sua lista sobre as necessidades investigadas para o serviço de incêndios, o "uso de cinto de segurança, ou a sua falta, pelo serviço de incêndios". Desta forma, o referido estudo aos bombeiros de Oklahoma, foi efectuado em resposta à necessidade identificada pelo USFA de investigação sobre a situação do cinto de segurança, e fornece aos bombeiros de todo o país, o primeiro tipo de estatísticas sobre o seu uso pelos bombeiros.
O Federal Motor Carrier Safety Admninistration, equivalente à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), isenta os ocupantes dos veículos de combate a incêndios e de salvamento do uso do cinto de segurança sempre que estejam em serviço de emergência. Alguns Estados prevêem também esta isenção, mas o Estado de Oklahoma, nos Procedimentos Operacionais Padrão, requer que todos os bombeiros façam utilização do uso do cinto de segurança, mas, curiosamente, isenta os veículos de emergência da utilização de dispositivos de retenção pediátricos.
Neste sentido, também o National Fire Protection Association (NFPA) recomendou que todos os bombeiros “se mantenham sentados e com o cinto de segurança colocado sempre que o veículo se encontrar em movimento”.
Entre nós, o artigo 6º da Portaria nº 311-A/2005, de 24 de Março dispensa do uso de cinto de segurança, dentro das localidades, os condutores de veículos de polícia e de bombeiros, bem como os agentes de autoridade e bombeiros quando transportados nesses veículos. O diploma não destrinça entre circulação em marcha normal ou de emergência, mas, verdadeiramente, também não teria de o fazer, correndo-se daquela forma o risco de se ver dispensado o uso do dispositivo de retenção somente nos casos em que os veículos circulassem em marcha normal, o que não faria qualquer sentido pois circulando em marcha não emergente o uso de cinto de segurança não se revelaria inconveniente para o exercício eficaz da actividade dos bombeiros. O contrário, isto é, dispensando-se o seu uso aquando circulassem em marcha de emergência, seria totalmente descabido pois, como é de fácil de entendimento, o risco de colisão aumenta exponencialmente nestas circunstâncias. Porém, lamentavelmente, constata-se que os bombeiros, quer dentro ou fora das localidades, quer em marcha de emergência ou não, na sua esmagadora maioria, não fazem utilização dos cintos de segurança, colocando deste modo a sua integridade física em risco.

A motivação do estudo no Condado de Oklahoma
Em 23 de Abril de 2005, às 22h00m, o Departamento de Bombeiros de Amarillo recebeu um alerta de incêndio urbano. O veículo auto-escada (Ladder 1) saiu para a ocorrência às 22h01m e iniciou a rota para o local do incêndio. Quando o veículo seguia na South Van Buren Street e virou para a East 3rd Avenue, a porta traseira do lado esquerdo do veículo abriu-se. O bombeiro Brian Hunton, que estava a preparar a colocação do aparelho respiratório foi projectado do veículo, bateu com a cabeça no pavimento e sofreu graves lesões craneanas. O bombeiro Hunton não tinha o cinto de segurança colocado. Foi transportado para o hospital e sujeito a intervenção cirúrgica de emergência, mas o seu estado de saúde deteorou-se e acabou por morrer às 9h53 do dia 25 de Abril em consequência dos graves ferimentos sofridos.
O bombeiro Christopher Brian Hunton, era um jovem bombeiro de 27 anos, do Departamento de Bombeiros de Amarillo, Texas, com aproximadamente 1 ano de experiência. Morreu ao cair de um veículo de combate a incêndios que se dirigia para um incêndio estrutural.
Amarillo fica a cerca de 2 horas a oeste de Oklahoma.

A utilização do cinto de segurança nos bombeiros de Oklahoma
O estudo efectua uma análise quantitativa de uso de cinto de segurança entre os bombeiros de Oklahoma. A pesquisa foi electronicamente distribuída a 2419 bombeiros de 17 departamentos de bombeiros de Oklahoma, de variada natureza (voluntários, profissionais, rurais, municipais, etc), que aceitaram participar no estudo.
A pesquisa foi distribuída aos chefes dos departamentos de bombeiros e por sua vez disseminadas entre os seus efectivos. O seu resultado fornece uma realista visão sobre o uso do cinto de segurança entre os bombeiros de Oklahoma. O seu estudo teve, e tem, como objectivo a “educação” dos bombeiros com um conjunto de dados que poderão usar para melhorar as suas práticas actuais do uso do cinto de segurança, desejando-se que conduza a uma redução de lesões e mortes.


Análise e conclusão
Dos bombeiros que responderam ao estudo, 93,1% são homens e 6,9% mulheres.
A média de idades dos inquiridos situa-se entre os 38 e os 46 anos. Quase metade dos inquiridos (49,9%) respondeu ter mais de 15 anos de serviço e 18,3% entre 0 e 5 anos.
O estudo concluiu que :
45,5% dos bombeiros usam sempre o cinto de segurança e 38,7% só por vezes o usam;
60,6% dos bombeiros têm noção que os seus colegas por vezes usam cinto de segurança e 19,3% que os colegas raramente o usam;
Nas saídas de emergência médica, 43,5% dos bombeiros admite usar sempre o cinto de segurança, e 20,7% admite usar entre 76 e 99% das vezes;
Nas saídas de emergência para salvamento ou desencarceramento, 38,8% dos bombeiros admite usar sempre o cinto de segurança, e 19,1% admite usar entre 76 e 99% das vezes;
Nas saídas de emergência para incêndios, 28% dos bombeiros admite usar sempre o cinto de segurança, e 40,2% admite usar entre 0 e 25% das vezes;
Nas saídas de rotina, 53% usam sempre o cinto de segurança, e 19,1% admite usar entre 76 e 99% das vezes;
72,2% dos bombeiros informaram que a duração de uma viagem não tem influência sobre a sua decisão de utilização do cinto de segurança. Dos que referiram o contrário, 32,5% indicaram viagens superiores a 10 minutos, e 28,5% nos percursos entre 4 a 6 minutos;
55,9% dos bombeiros informaram não terem ainda sofrido nenhum acidente em serviço, 41,8% entre 1 ou 3 acidentes em serviço;
60,6% dos bombeiros afirmaram que o uso do cinto de segurança foi recomendado no seu corpo de bombeiros, e 30% que o usam automaticamente;
40,6% dos bombeiros afirmaram que por vezes são incentivados pelos seus colegas a colocar o cinto de segurança, e 30% que afirmaram serem sempre encorajados;
94% dos bombeiros afirmaram que todos os veículos do seu quartel estão equipados com cintos de segurança;
48,5% dos bombeiros afirmaram que não receberam treino sobre o uso do cinto de segurança no seu departamento de bombeiros;

As conclusões positivas a que chegou o estudo são as seguintes :
Praticamente todos os veículos de bombeiros em Oklahoma estão equipados com cintos de segurança, e
Durante as deslocações de rotina e de emergência, a maioria dos bombeiros faz utilização dos cintos de segurança

Contudo, o estudo concluiu negativamente o seguinte :
Grande percentagem dos bombeiros reportou não utilizar o cinto de segurança quando se dirige para incêndios, e
Grande percentagem referiu não ter treino para a utilização do cinto de segurança nos seus departamentos.

Recomendações
Em inquestionável concordância com as recomendações finais do estudo enunciado, para promover o uso do cinto de segurança, não basta a existência de ordens escritas, de normas de execução permanentes, ou qualquer outro escrito, é preciso que o próprio serviço de bombeiros mude o seu comportamento. Se a decisão é para mudar comportamentos, todos têm de dizer aos bombeiros para perderem uns segundos mais para colocarem o cinto de segurança, e o protagonismo desta mudança de hábitos terá de ser dos Comandos dos Corpos de Bombeiros e das Direcções das Associações Humanitárias de Bombeiros. Não é realista esperar que os bombeiros enverguem o seu equipamento de protecção individual com o veículo em andamento e que tenham já o cinto de segurança colocado. Menos ênfase tem de ser colocado na rapidez da resposta e mais na segurança. É tempo de mudar comportamentos e esta é a única forma do uso do cinto de segurança entre os bombeiros passar a ser uma prática normal, caso contrário os bombeiros continuarão a sacrificar a sua segurança na resposta aos pedidos dos cidadãos.
Entre nós, também encontramos exemplos para tristemente ilustrar este tema, um dos quais bem recente. Lamenta-se, contudo, a falta de interesse de todos os responsáveis pelos bombeiros portugueses nas matérias concernentes à segurança dos bombeiros. Mas, numa organização onde, por hábito, não se averigua, não se divulgam causas dos acidentes, nem deles se tiram lições, não se estranha este comportamento.
A título de conclusão, de modo a despertar consciências, um documento com o presente trabalho foi entregue em 7 de Março do corrente ano à Direcção da AHBVAC, transitando posteriormente para o Comando do Corpo de Bombeiros.
http://bombeirosdeagualvacacem.blogspot.pt/2011/06/o-uso-do-cinto-de-seguranca-nos.html

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