Quando decidi aceitar mais esta aventura, fi-lo por “amor a uma causa”. Afinal, quem foi bombeiro, mesmo não estando no ativo, sê-lo-á sempre e para sempre! Este “bichinho altruísta”, de entrega aos outros, segue-nos, persegue-nos, pega-se à roupa e por mais que queiramos, não nos larga. A partir de hoje, contará o leitor com uma visão atenta de alguém que, por fora do “sistema”, se encontra sempre vigilante a uma organização que nunca se demite das suas funções.
Nesta primeira crónica, julguei importante abordar dois vocábulos sempre presentes na vida dos bombeiros: altruísmo e prevenção.
Desenganem-se aqueles que pensam que os bombeiros são altruístas, disponíveis à população apenas e só nos meses quentes de Verão. Na verdade, raros são os meios de comunicação social que, fora dessa época nevrálgica e extenuante, elogiam e noticiam as virtudes destes homens e mulheres que disponibilizam o seu tempo em favor daqueles que necessitam. Por esse motivo, decidi trazer aqui um exemplo de como a força de vontade de alguns se transforma na satisfação de muitos.
A Juvebombeiro do distrito de Bragança meteu “mãos à obra” e entregou cerca de duas toneladas de alimentos e roupas à Cáritas Diocesana, na sequência de uma campanha de solidariedade levada a cabo durante o mês de Março. Esta ação irá ajudar cerca de 150 famílias carenciadas daquele distrito. Congratulo-me com esta forma de contribuir para o bem público! Presumo mesmo que nunca os ideais de “altruísmo” e “prevenção” andaram tão justapostos como nesta atividade meritória. Decerto, estes jovens bombeiros, sem se importarem em conhecer os reais destinatários, contribuíram para uma Páscoa mais agradável, contribuindo para a prevenção de casos de extrema pobreza na região.
Na verdade, os bombeiros habituaram-se desde cedo a ouvir a palavra “prevenção” e a saber que, muitas vezes, a vida de cada um deles depende da correta aplicação que dela se faz. Prevenir equivale a dizer que, por detrás dessa ação, existe uma planificação adequada, uma espécie de antevisão do que irá acontecer, de modo a evitar “males maiores”.
Vem este tema à liça por estarmos à porta de mais uma campanha de combate a incêndios florestais. Todos os anos, o mesmo ritual: páginas de texto e emissões televisivas a transbordar de números, de siglas que poucos entendem, de análises comparativas… Está instalado o circo mediático em torno de um flagelo que, em cada ano, se pretende menor, sem produzir “demasiados estragos” quer em bens, quer em vidas humanas.
O relatório da FAO, denominado “O Estado das Florestas do Mediterrâneo 2013”, adianta que em Portugal ocorreu, entre 2006 e 2010, o maior número de incêndios florestais, arderam 344.710 hectares, dos quais 112.636 hectares correspondem a espaços florestais, significando que Portugal é o país que relata o maior número de fogos. Sublinha igualmente que Portugal apresenta a maior área ardida em 2010 com 127.891 hectares. A FAO diz também que metade dos incêndios florestais em Portugal tem origem desconhecida e a outra metade divide-se em negligência ou acidental. O mesmo relatório alerta para a necessidade das regiões do Mediterrâneo melhorarem o conhecimento e a informação sobre as causas dos incêndios e realizarem mais investigações depois dos fogos, tal como a Comissão Europeia tinha sugerido em 2011. A FAO refere ainda no relatório que o fogo é uma das causas da degradação florestal na região do Mediterrâneo.
Este ano foi já apresentado o Dispositivo Especial de Combate a Incêndio Florestal e, acreditando nos números divulgados, o combate a incêndios florestais vai custar 78,5 milhões de euros (ME), o que reflete um aumento de quase cinco por cento em relação ao ano passado, correspondendo a mais quatro milhões de euros. Demasiado dinheiro – digo eu, que sou apenas e só um atento “bombeiro” a estas questões – destinado ao combate. E a prevenção, pergunto eu? Quantos milhões foram gastos nesse sector? Alguém se lembrou da limpeza de matas? Da abertura e manutenção de caminhos rurais, de aceiros, de pontos de água? De dinamizar outros projetos que promovam a proteção ambiental e, simultaneamente, colaborem na dinamização da economia nacional? Não me parece…
Para avivar a memória dos mais esquecidos, até porque a idade não perdoa, relembro que, em Agosto de 2010, foi apresentado na Guarda, com pompa e circunstância, o projeto denominado Self-Prevention, que visava a prevenção de incêndios com recurso à reintrodução de 150 000 cabeças de gado caprino e ainda o “desenvolvimento económico e rural” das zonas raianas dos distritos da Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca. Na altura, referiu-se que “a ideia é fazer com que os animais atuem como “limpadores naturais” dos campos agrícolas abandonados, deixando livres de vegetação zonas de potencial perigo de incêndio”.
Confesso que gostei da ideia, aliar a prevenção de incêndios ao desenvolvimento económico regional. Contudo, parafraseando um velho ditado, “a montanha pariu um rato”. Um ano depois da apresentação do projeto, afirmava-se estar atrasado o processo de repovoamento das zonas raianas com gado caprino para prevenção de incêndios devido a questões burocráticas. Passados dois anos, o “Self-Prevention”, um projecto ibérico orçado em 48 milhões de euros, acabara por não arrancar em Portugal por falta de verbas. Mas não faltava só dinheiro. Não existe, na maior parte do território, a área mínima necessária porque é necessário, no mínimo, uma área de 200 hectares [de terrenos públicos] para este tipo de projecto. Em Espanha, porém, a falta de espaço não foi um obstáculo. Robleda, em Salamanca, é o único local na Península Ibérica onde o projecto chegou a avançar, no ano passado, com a introdução de 200 cabras em 53 hectares.
Honra seja feita: em Portugal, a Associação Aguiarfloresta está a implementar um projecto-piloto de pastoreio dirigido, com um rebanho de 50 cabras que vai pastorear uma área de 90 hectares no Planalto de Jales, utilizado para a gestão da vegetação e, assim, reduzir os riscos de incêndios florestais.
Confesso que já não entendo nada de nada! Pede-se a todos moderação, contribuição para o bem público, sobretudo num tempo de aperto “troikiano” e esquecem-se projetos que poderiam beneficiar regiões já por si votadas ao esquecimento. Será que ninguém se lembrou de planificar um projeto correta e assertivamente? Alguém se lembrou de colaborar no desenvolvimento económico e social de regiões desfavorecidas? Parece que não!
Razão para afirmar “Bem prega Frei Tomás: fazei aquilo que ele diz, não façais aquilo que ele faz”! A mudança de mentalidade deve começar no topo da pirâmide mas, por vezes, o rio Lethes (Rio do Esquecimento) é atravessado por alguns ilustres deste País, perdendo-se assim oportunidades de desenvolvimento. Fico satisfeito por ainda existirem homens que refletem nas suas atitudes, antes de as colocarem ao serviço dos outros. A bem de todos e para todos!
José Brás
Ex-Comandante; professor
fonte:bombeiros.pt