O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Soares, crê que o voluntariado nos bombeiros vai continuar a ser a trave mestra do socorro.
Em defesa da sua tese, o homem que já dedicou meio século aos bombeiros e que é o mais antigo presidente de câmara em actividade, aduz um argumento que ganha força acrescida em tempos de crise: a profissionalização total do sector «exigiria 400 milhões de euros/ano» e, ainda assim, implicaria a opção por uma estrutura minimalista, sacrificando a proximidade do serviço.
André Couto, da Autoridade Nacional de Protecção Civil, concorda e sublinha que Portugal «só tem a ganhar» se a rede voluntária de bombeiros puder ser «preservada e até reforçada». Acredita que é isso que vai acontecer, «independentemente de alguma profissionalização no socorro» e das exigências crescentes que se põem aos voluntários, em termos de formação, de disponibilidade física, psicológica e mesmo do número de horas dedicadas ao serviço operacional.
Uma antiga dirigente de uma estrutura regional de bombeiros, que pediu para não ser identificada, alinha pela mesma tese, recusando que o voluntariado nos bombeiros tenha morte anunciada, ou, sequer, que sofra de enfermidade. Descreve-o como algo que está a seduzir crescentemente jovens e mulheres, apesar dos sacrifícios pessoais e familiares que acarreta e do risco de perda da própria vida. Como aconteceu, no ano passado, com uma jovem bombeira de Lourosa, e, ainda recentemente, com uma operacional de Abrantes.
As bombeiras, que tinham uma expressão insignificante, representam actualmente 20 por cento dos quadros activos, assinala a ex-dirigente, considerando que para isso contribuíram uma «renovação de mentalidades», a nível de comandos, e a criação de condições nos quartéis para o serviço feminino, nomeadamente com a construção de camaratas próprias.
Como quer que seja, os bombeiros voluntários perderam algum protagonismo numa estrutura de socorro que se profissionalizou parcialmente, com a criação do INEM, na emergência pré-hospitalar, e de equipas da GNR e de sapadores florestais («canarinhos») no combate aos incêndios.
Numa tendência que a crise veio refrear, levando mesmo a alguns despedimentos, os próprios corpos de bombeiros voluntários foram-se convertendo em estruturas mistas. Uns oito por cento dos seus colaboradores recebem uma retribuição, ainda que pouco expressiva e/ou sazonal, por trabalho de secretaria, colaboração no transporte de doentes ou participação nas equipas de primeira intervenção em incêndios.
Por outro lado, as estatísticas mais recentes indicam que 32.472 das 61.242 pessoas com o estatuto de bombeiro voluntário não integram o corpo activo ou o comando das corporações, beneficiando, ainda assim, de algumas regalias sociais.
Numa alusão a pessoas que terão aderido à causa dos bombeiros supostamente em busca de vantagens pessoais, pecuniárias ou de outras, o presidente da LBP observa que «no melhor pano, cai a nódoa» e contrapõe que estes casos são inexpressivos, nunca podendo ser lidos como sinal de uma suposta crise do voluntariado nas corporações ou como evidência de uma espécie de voluntariado faz-de-conta.
Ainda assim, o antigo inspector de incêndios Salazar Galhardo trata de avisar que «fazer respeitar o espírito do voluntariado passa pelos próprios bombeiros». E cita como exemplo a não seguir o caso de pessoas que assumem funções de maior visibilidade nos bombeiros de pequenas localidades e alegadamente se servem desse estatuto «para fazer currículo ou como trampolim para política» local.
Salazar Galhardo desvaloriza, contudo, o facto de alguns bombeiros, geralmente em posições de liderança, terem lançado negócios em áreas correlacionadas.
«Pode não ser muito ético, mas parece-me também que chegaram a oferecer muito material aos corpos de bombeiros e faziam, muitas vezes, preços reduzidos em relação a outras empresas. Não me parece que o problema esteja aí», observa.
O «maior problema» reside, na sua opinião, nos apoios, em alguns casos «miseráveis», que autarquias dão aos corpos de bombeiros e nos actuais modelos de organização do socorro, que integram estruturas profissionais «paralelas» aos bombeiros, contribuindo desta forma para alguma perda de força do voluntariado.
O presidente da LBP anui, falando de estruturas profissionalizadas que «fazem o mesmo que os bombeiros, mas com um custo superior». E insiste que, agora mais do que nunca, porque Portugal está em crise, é preciso rever tudo isto e «não perder esta potencialidade que são os bombeiros voluntários».
Mas isso exige «afrontar os generais na protecção civil, a viverem como as elites já nos habituaram, enquanto no terreno os bombeiros vivem com insuficiências tremendas», acrescenta Jaime Ramos.
Sem comentários:
Enviar um comentário