quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Houston, não percebemos! É para ter medo do satélite cadente?

Temos boas notícias para o leitor do i na Antárctida, notícias mais ou menos para os restantes e possivelmente terríveis para todos os que partilham o medo gaulês de que um dia o céu lhes caia em cima. Entre amanhã e sábado, 26 pedaços de um antigo satélite da NASA dedicado aos estudos da atmosfera superior, desactivado em 2005, deverão conseguir sobreviver à ida definitiva para o caixote do lixo - leia-se reentrada na atmosfera - e cair algures sobre a Terra. De acordo com as últimas informações de um conhecido astrónomo dos EUA, Derrick Pitts, do Franklin Institute, a única zona de impacto excluída é o Pólo Sul. Como não é uma reentrada controlada, os cientistas não conseguem avançar quando ou onde cairão os detritos, sabendo-se apenas que o maior poderá pesar 150 quilos.

Ao i, o antigo coordenador do programa de lixo orbital da NASA Donald J. Kessler desvaloriza todo o alarmismo que o acontecimento tem gerado na internet - multiplicam-se por estes dias os anúncios apocalípticos de que um satélite do tamanho de um autocarro vem a caminho da Terra. Mas, para aquele que é considerado um dos maiores especialistas mundiais na temática do lixo espacial, uma quota-parte da histeria deverá ser atribuída à própria agência: "Vejo nas notícias uma representação do risco muito exagerada, por isso tenho de concluir que a NASA não foi suficientemente clara em relação ao que os seus números queriam dizer."

Os números Nas poucas declarações que a NASA terá feito sobre a reentrada, replicadas pelas agências noticiosas internacionais mas sem visibilidade no site da agência, foi anunciado que a probabilidade de um pedaço do satélite atingir alguém na Terra é de 1/3200 (0,0003%). Kessler acredita que terá sido esta probabilidade remota, mas ainda assim maior que o limiar de segurança exigido pelos padrões da agência (1/10 000), a obrigar a NASA a emitir declarações sobre o tema.

"Praticamente todos os dias há objectos feitos pelo homem a reentrar na atmosfera, mas a maioria desintegra-se antes de atingir o solo. No entanto, várias vezes ao ano há alguns que sobrevivem e cada um representa um risco para qualquer pessoa na Terra. O risco é inferior a 1 em 10 mil porque são sempre um ou dois objectos a cair e raramente são notícia. O risco do UARS excede esta conta, porque estamos a falar de 26 objectos, por isso a NASA sentiu que era necessário divulgar a informação", diz o cientista.

Porém, há mais uma questão potencialmente enganadora nesta forma de a NASA comunicar o risco, alerta Kessler. "O satélite tem uma probabilidade de 1 em 3200 de atingir alguém, mas o que significa isso para mim ou para si? Como somos uma em 7 mil milhões de pessoas, a hipótese de sermos atingidos é de 1 em 22 mil milhões. Certamente nada que me impeça de atravessar a rua, sabendo tudo o que sei sobre reentradas na atmosfera e que atravessar a rua, por si só, pode ser perigoso."

Esperamos que mesmo os seguidores de Astérix estejam mais tranquilos, mas com algumas dicas da ciência das probabilidades é possível relativizar ainda mais o risco. Pedro Campos, especialista da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, explicou ao i que a probabilidade da NASA, e o seu significado real, terá muito a ver com a forma como foi calculada (algo que não é possível apurar). "Quando o número de experiências, ou seja, de acontecimentos observados da história é diminuto, como neste caso, os valores encontrados para estas probabilidades são meramente indicativos e não lhes pode ser atribuído muito rigor", defende.

Se a probabilidade de alguém nos próximos dias levar com um pedaço do satélite, em termos globais, é bastante maior do que a de ser atingido por um raio ou ganhar o Euromilhões, a probabilidade de o leitor ser "o atingido" é mais de 100 mil vezes inferior à de ganhar o próximo Euromilhões, o que já por si diz muito sobre o risco teórico que correrá se sair à rua nos próximos dias. "As colisões orbitais preocupam-me mais", acrescenta Kessler. "Os fragmentos têm uma probabilidade muito maior de ferir ou matar um astronauta no espaço do que de matar ou ferir uma pessoa na Terra."

Já Heiner Klinkard, director do programa de lixo espacial da Agência Espacial Europeia, explicou ao i que o risco anual de uma pessoa ser ferida com gravidade por um pedaço de lixo espacial é de um em 100 mil milhões, rejeitando, portanto, qualquer tipo de preocupação. "O risco anual de uma pessoa ser atingida por um raio é 60 mil vezes maior e o risco de ficar ferida com gravidade num acidente de viação é 27 milhões de vezes maior que o risco associado a uma reentrada na atmosfera."

Mais que a capacidade humana para intervir neste tipo de desactivações de equipamento espacial - a prova é que há mais de 22 mil objectos com mais de dez centímetros catalogados em órbita da Terra -, Klinkard sublinha que é a atmosfera terrestre, para já, a nossa principal protecção. Ontem o mais provável era que a reentrada do satélite desactivado tivesse lugar amanhã.

A previsão da NASA é que as peças que contenham ferro ou titânio possam sobreviver às temperaturas elevadas. No mapa de locais possíveis para a reentrada (reentrynews.aero.org/1991063b.html), a Europa não é excluída, mas as linhas que desenham as variações na órbita do satélite não parecem apanhar Portugal. Porém, tudo é incerto quando a janela de entrada na atmosfera é de mais de 14 horas. "Uma diferença de 30 minutos na reentrada significa o satélite atingir a Europa em vez da costa ocidental da América do Sul", lia-se ontem no "Washington Post".
Fonte:Ionline

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