sábado, 11 de setembro de 2010

Alcafache:25 Anos Depois...

Eram 15h40 mn do dia 11 de Setembro de 1985, quando, com meia-hora de atraso o mítico Sud-Express nº 315 sai da estação de Campanhã no Porto. A bordo seguiam cerca de 300 passageiros. À frente vai a poderosa locomotiva mod. 1961 com 2250 cv (reduzidos para 1950 cv pela CP por uma questão de consumo). A viagem com destino a Paris (França) corre normalmente. Segundo testemunhos da altura, o internacional teria prioridade sobre o inter-regional nº 10 320, que entretanto tinha saído da Guarda às 16h55mn com destino a Coimbra com 40 passageiros, no momento em que se cruzassem. À frente desta composição vinha a locomotiva mod. 1439, um pouco mais pequena que a do Sud-Express.


Ao início do final daquela tarde escaldante de final de Verão, o internacional chega à estação de Nelas, onde embarca mais passageiros e por volta das 18h30 mn recebe ordem do chefe da estação para partir. Entretanto quase ao mesmo tempo a pouco mais de 6,5 Km de distância, o inter-regional recebe ordem do factor do apeadeiro de Alcafache, perto de Mangualde, distrito de Viseu, também para partir em direcção a Nelas. Os dois monstros metálicos estavam agora em rota de colisão.

O enorme Sud-Express, devia ter aproximadamente 200 metros com 10 ou 12 carruagens, enquanto que o inter-regional mais pequeno metade desse tamanho. O chefe de estação de Nelas havia dado partida quase fora da estação junto à 1961 devido ao tamanho do comboio e por isso demorou a chegar à sala de comandos da estação, possivelmente uns dois minutos, onde telefona para o apeadeiro de Alcafache para comunicar a saída do internacional para que o inter-regional aguarde pela sua chegada. Mas, qual é o seu espanto quando houve do outro lado, que o inter-regional havia acabado de sair em direcção a Nelas. O chefe sai como um louco da sala gritando "Já vem aí o outro comboio". Nisto, ao ouvirem, os funcionários da estação apercebem-se imediatamente do que está para acontecer. Segundo uma testemunha "Nós sabíamos que se um comboio tinha saído de um lado e o outro do outro, alguma coisa teria de acontecer. A gente nem tinha voz para falar..." António (nome fictício) era carregador e estava na gare de Nelas a distribuir volumes com um colega naquele dia 11 de Setembro de 1985, que marcou a negro a história do caminho-de-ferro em Portugal. António recorda o silêncio do fim de tarde e os homens parados na gare à espera do inevitável. O chefe de estação, quando soube que os comboios estavam em rota de colisão, ainda tentou avisar a única guarda de passagem de nível que existia entre as duas estações para mandar parar o Internacional. Nessa situação, a mulher que guarda as cancelas ergue a bandeira vermelha ao comboio e, se tiver tempo, coloca petardos na via férrea para avisar o maquinista de que deve parar. Era a última esperança para evitar a tragédia, mas quando Nelas lhe telefona, o comboio já ali tinha passado. Naquele tempo, recorde-se, não havia telemóveis Era tarde demais. O choque estava por um fio.

Às 18h35mn uma patrulha da GNR que estava a fazer nesse dia uma operação Stop perto da estrada que passa junto à linha férrea aperceberam-se que entre a mata que as separa a uns 500 metros do local algo de grande tinha sucedido. Devem primeiramente ter ouvido um som ensurdecedor semelhante a uma enorme explosão de dinamite que lhes chamou a atenção. Imediatamente correram em direcção ao local. Entretanto, nas estações de Nelas e Alcafache, todos assistem a uma enorme coluna de fumo que se ergue a centenas de metros, entre as duas localidades.

A guarda ao chegar ao local, depara-se com um cenário catastrófico e chama de imediato os bombeiros de Nelas e Mangualde, que acorrem de imediato e chegam passados 20 minutos ao local da tragédia. Entretanto, no relato do antigo responsável dos Bombeiros Voluntários de Canas de Senhorim, “ouvi a mensagem de uma ambulância dos Bombeiros Voluntários de Aguiar da Beira, que pedia, de forma desesperada, que fossem enviadas ambulâncias para a estrada entre Nelas e Mangualde. O pedido foi repetido mais que uma vez. Pensando que se tratava de um acidente com um autocarro, dei ordem imediata a cinco ambulâncias. Entretanto, e através de outro pedido de socorro, houve alguém que solicitou autotanques, referindo que havia carruagens a arder. Nesse momento, percebi o que tinha acontecido.” A 1961 era uma enorme locomotiva, com 5 metros de altura, mais de 20 metros de comprimento e mais de 120 toneladas de peso. Só para terem uma noção do peso que é, são mais de 3 camiões TIR de 40 toneladas totalmente carregados. Foi concebida, para além de poder rebocar comboios de passageiros, poder arrastar grandes comboios de mercadorias muito pesados. Por isso possui um enorme motor (ver foto). A viagem era longa e por isso havia que atestar os tanques no máximo para alimentar tamanho motor. Entretanto, a 1439 embora um pouco mais pequena, também carregava uma quantidade significativa de combustível. Daí, o desastre, já de si grande tornou-se ainda maior. Houve ainda a esperança nas estações que os comboios se conseguissem avistar antes de entrarem em curva e poderem parar numa recta que existia, ou pelo menos abrandarem o ritmo. Só que a 1961 vinha de depressa e entra numa curva. Os monstros metálicos talvez ainda se tenham avistado e até conseguido abrandar um pouco, mas em poucos segundos os maquinistas devem ter percebido que não era possível parar. Ambos vinham a 90 km/h. O choque das duas massas a 180 km/h foi fatal. O internacional devido ao maior peso, ainda deve ter arrastado o inter-regional para trás. Milhares de litros de combustível rapidamente deflagraram às carruagens e à floresta em redor. Quando os bombeiros lá chegam nem querem acreditar no que vêem. Carruagens a arder, pessoas entaladas dentro das carruagens e a gritar, corpos carbonizados, pessoas feridas em redor dos comboios e em pânico, e como tudo não bastasse, um incêndio florestal começava a deflagrar rapidamente. Rapidamente também, nas longas horas seguintes, começam a chegar reforços de todo o lado. Bombeiros de norte a sul do país chegam com ambulâncias e autotanques. Era necessário estabilizar o enorme incêndio, fora e dentro dos comboios para poder salvar quem ainda estivesse vivo.

A catástrofe foi tão grande que os bombeiros e as restantes equipas de salvamento e limpeza da zona, demoraram três dias até poderem sair do local.

Dos que morreram, os maquinistas e os seus acompanhantes, devem ter sido dos poucos que souberam do que morreram. Quando ambos se avistaram, ao ver as marcas de perigo frontais de ambas as locomotivas, devem ter gelado o sangue e percebido que não havia hipóteses de salvamento.

Atrasos eram corriqueiros, mas naquele dia a central de Coimbra avisara já os chefes das estações de comboio até Nelas, que aquela composição tinha prioridade sobre o tráfego regional. Um aviso feito por telefone, única forma, nessa altura, de comunicar com as estações, que por sua vez transmitiam as instruções aos maquinistas das composições. Entre comboios imperava igualmente o silêncio, já que à época, em Portugal, nenhum dispunha de qualquer dispositivo de comunicação.

Entre os 460 passageiros que viajavam nos dois comboios sinistrados estão confirmados 49 mortos, embora apenas tenha sido possível reconhecer 14. E 64 passageiros continuam dados como desaparecidos. Ao todo estão confirmadas para cima de uma centena de vítimas. Dados mais recentes, apontam para uma estimativa entre as 120 e 150 vítimas mortais.

Fonte:http://factosdahistoria.blogs.sapo.pt/2023.html

1 comentário:

Anónimo disse...

O CB de Bragança também compareceu a este acidente ?