"Notei alguma falta de planeamento nomeadamente na área financeira e dos recurso, situação que tem vindo a ser superada."
Bombeiros de Portugal (BP) – Ao fim de seis meses no cargo de presidente da ANPC pergunto-lhe se ficou surpreendido com o que encontrou? Tanto para o bem como para o mal.
Manuel Mateus Couto (MMC) – A surpresa foi bastante positiva. Não tinha a noção de que, principalmente, a estrutura operacional estivesse tão bem articulada entre o Comando Nacional e os comandos distritais. O mesmo acontece com a forma como os comandos distritais se interligam com os corpos de bombeiros, autarquias e outros agentes, onde se nota que temos uma estrutura operacional montada que responde e é reconhecida por todos os intervenientes.
BP – E coisas negativas?
MMC – Notei alguma falta de planeamento nomeadamente na área financeira e dos recursos, situação que tem vindo a ser superada. Para o próximo ano há já um planeamento definido especialmente ao nível da centralização de aquisições, missões ao estrangeiro e formação entre outras, já que as coisas funcionavam um pouco assim: aparece uma coisa para se fazer, faz-se… Posso dizer-lhe que chegámos ao fim do ano passado e não tínhamos dinheiro para fazer uma inspeção na área da segurança contra incêndios, o que não pode acontecer. Face às limitações orçamentais é óbvio que tem de haver um planeamento sério. Para este ano, temos várias rubricas que estão limitadas e não podemos ultrapassar esses limites.
Estamos também a normalizar alguns procedimentos de forma a racionalizar recursos.
BP – A casa começa a ficar ‘arrumada’, tanto ao nível das alterações legislativas como da nova estrutura de dirigentes e responsáveis operacionais. Correu tudo como queria ou em algum momento foi contrariado por decisões da tutela?
MMC – Não. Correu como estava previsto. É normal que com a entrada de um novo presidente este queira nomear as pessoas da sua confiança. Quem nomeia é o Senhor Ministro mas não encontrei constrangimento de qualquer natureza.
BP – Já disse que a casa mãe da PC está arrumada a seu gosto. Pergunto-lhe quais são os objetivos estratégicos que pretende atingir nos próximos tempos? Como militar que é calculo que funcione por objetivos bem definidos.
MMC – O grande objetivo que tenho para esta casa é que seja o próprio cidadão a fazer uma avaliação positiva do que é proteção civil e sei que é um objetivo difícil porque por mais rápida que seja a resposta, o cidadão nunca está satisfeito.
Mas é nesta área que temos de corrigir o que possa estar menos bem. Se tivermos cidadãos descansados e satisfeitos com a sua proteção civil, então é porque estamos a cumprir os objetivos.
Por outro lado, é preciso manter e melhorar a articulação e a resposta operacional porque nunca nada é definitivo. Em matéria de incêndios florestais, a vertente do ataque inicial está consolidada. Agora, estamos a apostar no ataque ampliado com as novidades introduzidas na nova DON. Para o ano, outras questões irão surgir com base na experiência dos anos anteriores.
Depois, há que manter os bombeiros, o principal agente de proteção civil, cada vez mais bem equipados e formados para que possam dar as respostas necessárias.
BP – Mas a proteção civil não se esgota nos incêndios. Que outros objetivos tem para as restantes áreas de intervenção?
MMC – A aposta nos planos distritais e municipais de proteção civil. Toda esta área do levantamento dos riscos e das vulnerabilidades do território são decisivas para preparar respostas prontas e eficazes.
Há ainda um grande trabalho a desenvolver na área dos planos especiais – barragens, sismos, tsunamis – nos quais também já estamos a trabalhar.
Outra área que também considero decisiva é a área dos avisos às populações. Estamos a desenvolver um trabalho com operadores de telecomunicações e órgãos de comunicação social nesta área. Para minha surpresa encontrei algumas resistências em alguma comunicação social em se envolver na necessidade de emitir avisos caso necessário, o que me deixou bastante perplexo.
No fundo, estamos a apostar na criação de vários sistemas de aviso às populações em caso de necessidade.
BP – No meio deste universo, o que o preocupa mais no imediato?
MMC – Tenho algumas preocupações com o Planeamento Civil de Emergência (PCE) que como sabe é uma nova atribuição da ANPC e cuja integração nesta casa não foi suficientemente valorizada. Neste momento não temos nenhuma estrutura orgânica a que possa chamar a equipa do PCE. Já fiz chegar esta preocupação à tutela e agora cabe-me resolver esta questão na futura orgânica da casa.
Esta é uma questão muito sensível porque se não acontecer nada corre tudo bem, se acontecer uma tragédia é aqui que vêm perguntar o que se fez e neste momento fez-se ainda pouco.
BP – A ANPC tem uma nova lei orgânica. Eram estas as alterações necessárias ou não foi possível ir mais longe?
MMC – De um modo geral, julgo que a Lei Orgânica segue o que foi proposto pela Autoridade. Quando nos foi pedido para que preparássemos a nova Lei, com as restrições óbvias do momento que atravessamos, construímos um documento e é esse documento que está agora espelhado na nova Lei. Enquanto presidente esta Lei não me causa grandes constrangimentos ou mesmo transtornos e vai
ao encontro daquilo que propusemos.
BP – Para além da direção nacional de meios aéreos que já se sabe passou por uma opção política que decorre da futura extinção da EMA, há uma nova direção nacional que não está a ser muito bem recebida, nomeadamente pelos bombeiros. Não se corre o risco de ter uma Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) dentro da própria ANPC?
MMC – Não, e a grande razão para não se chamar inspeção é porque estas só existem ao nível dos ministérios. A Direção Nacional de Fiscalização e Auditoria tem competências bem definidas, depende do presidente e atuará coadjuvada com os técnicos das diferentes áreas desta casa nas diferentes situações. Não prevejo que a nova direção funcione em moldes muitos diferentes da inspeção que existia até aqui. O que pretendemos é que tenha mais recursos humanos, que fazem falta.
BP – Mas ganhou autonomia. Confirma?
MMC – A autonomia é relativa a meu ver porque todas as ações dependem do presidente que pode regular essa mesma autonomia. Não tenho grandes preocupações relativamente a isso porque que seguirei de perto todas as inspeções, relatórios e consequências.
BP – As competências atribuídas a esta nova direção acabam por esvaziar um pouco aquelas que eram as
competências da DNB. O que pensa disto?
MMC – Não vejo isso dessa forma. Ficaria preocupado sim se perdesse-mos essa autoridade para o exterior da própria instituição, o que não acontece.
A Direção Nacional de Bombeiros não tem feito inspeções por sua iniciativa e o que vai acontecer é que a nova direção nacional fará as suas inspeções com elementos da DNB quando estas se destinarem aos bombeiros.
Se a inspeção for de caráter financeiro, irá sempre alguém do departamento financeiro da ANPC. Ou seja, a direção nacional tem técnicos na área da inspeção e será sempre acompanhado por pessoal especializado nas diferentes áreas a que se destinam as próprias inspeções.
Já agora. Isto é uma coisa que acontece na maioria dos organismos públicos, pois quem regula não deve fiscalizar.
BP – Num passado recente assistimos a inspeções por parte da ANPC aos corpos de bombeiros em clara violação da lei, segundo relatos de muitos deles. Garante que coisas destas não voltam a acontecer?
MMC – Garanto que situações que não estejam previstas não vão acontecer. Só atuaremos com base na lei. Ponto.
BP – Sendo esta sua entrevista dirigida maioritariamente ao universo dos bombeiros, pergunto-lhe qual a opinião que tem dos bombeiros em Portugal?
MMC – Tenho uma boa impressão dos bombeiros, não só ao nível da formação de qualidade que têm como da sua disponibilidade permanente e extrema, característica que muito me impressiona e que considero fundamental num tempo onde tal é tão raro. A juntar a isto, tenho notado bons equipamentos e infraestruturas o que me leva a dizer que começamos a ter operacionais capazes de dar à sociedade a tranquilidade necessária para que esta sinta que terá as melhores respostas e que pode confiar nos seus bombeiros.
BP – Qual a política da ANPC para o apoio à sustentabilidade das associações humanitárias e corpos de bombeiros?
MMC – Apoiar o setor em tudo o que nos seja possível, nomeadamente através do Programa Permanente de Cooperação (PCC), tentar aos poucos, através das circulares financeiras, melhorar os apoios que são dados aos bombeiros, como são exemplo os incêndios florestais, e destaco aqui os aumentos deste ano numa altura tão difícil.
Por outro lado, e ainda com base nas circulares financeiras que estamos a estudar, tentar incentivar a substituição de viaturas. As verbas do QREN podem vir a ser reduzidas, e considero que as viaturas muito velhas devem ser trocadas em vez de serem reparadas. Estamos a estudar um possível aumento da comparticipação para incentivar os bombeiros a renovarem, na medida do possível, o parque de viaturas com mais utilização.
BP – Considera que os corpos de bombeiros deveriam ter autonomia face à ANPC como têm os outros agentes de proteção civil?
MMC – Essa questão é complicada… mas julgo que o atual modelo é o mais adequado. Acho que os corpos de bombeiros devem ter alguma dependência no sentido de reconhecer a ANPC como uma entidade reguladora que apoia mas também pede algum retorno. Aliás, daquilo que tenho visto considero que não há qualquer contestação ao modelo em vigor.
BP – Ao contrário do que estava previsto, e na sequência das alterações ao SIOPS, os bombeiros continuam a não estar epresentados na estrutura. Não têm assento no CCON, nem nos CCOD. A LBP já mostrou o seu descontentamento. Sendo considerados como principal agente acha que faz sentido?
MMC – É verdade que não está expresso na legislação mas essa ausência está longe de se verificar porque a Liga estará representada no CCON ou no CCOD sempre que assim o entender…
BP – Mas porque a atual direção da ANPC assim o entende. No futuro poderá haver outro entendimento…
MMC – Acho que essa questão nunca se colocará porque facilmente se depreende a importância de manter a LBP informada de toda a atividade operacional.
BP – A ANPC tem um problema complexo em mãos que está a tentar resolver. Como pretende fixar os técnicos/ especialistas que ao longo de vários anos têm trabalhado para a ANPC que estão vinculados à Escola?
MMC – Sobre essa matéria temos duas situações distintas. A Força Especial de Bombeiros (FEB) para a qual está já a ser estudado um estatuto que defina como é que a FEB pode vir a ser integrada na ANPC. Ou seja, estes elementos passarem a pertencer à Autoridade. Quantos aos restantes elementos, estamos a estudar outra alternativa a qual ainda não pode ser pública. Posso apenas dizer-lhe que estamos a procurar uma alternativa.
BP – E como está o processo do pagamento dos retroativos exigido pela Inspeção Geral de Finanças aos funcionários da ENB que trabalham aqui?
MMC – Sobre isso, posso dizer-lhe que está a ser feito um levantamento sobre os montantes em causa para cada um dos funcionários, pela ENB. Quando tivermos esses dados, solicitaremos a isenção desse pagamento ao Ministério das Finanças, ao abrigo da legislação em vigor. Tudo isso ainda não foi feito porque os montantes ainda não estão todos estimados.
BP – O sucesso de um presidente da ANPC e do CONAC está muito ligado ao sucesso das intervenções em grandes teatros de operações. Está preocupado com os incêndios? A história já mostrou que quando as coisas correm mal há que arranjar bodes expiatórios. Está preparado para isso?
MMC – Tudo o que correr mal nesta casa a responsabilidade será sempre minha, por isso o bode expiatória só poderei ser eu. Se escolho uma equipa e se aprovo ordens de operações então se algo correr mal a responsabilidade só pode ser minha. Os incêndios florestais são e serão sempre uma preocupação. Apesar do tempo até estar a ajudar, talvez por sorte de principiante, assumirei sempre o que correr mal.
BP – A Escola Nacional de Bombeiros (ENB) tem sido muito criticada num passado recente. Com uma nova direção e sendo a ANPC um dos seus associados o que vai exigir. O que é mais premente?
MMC – Estou a trabalhar com a Liga dos Bombeiros Portugueses na atribuição de uma carta de missão para a nova direção. Penso que é muito importante definir um plano e objetivos a três anos, até para salvaguarda da própria direção da ENB.
A nossa principal preocupação é levar a formação aos corpos de bombeiros, com reforço das Unidades Locais de Formação. Definir um plano estratégico para a própria Escola para que esta se possa aproximar de outras instituições congéneres e outros organismos do ensino superior com o objetivo de lhe dar maior visibilidade, tornando-se num centro formativo de excelência tanto para bombeiros como para outras áreas da proteção civil.
Por outro lado, há que resolver a questão da CENAFOGO o mais rápido possível para acabar com esse processo.
BP – Está preocupado com a auditória que está a ser feita à Escola?
MMC – Não. Normalmente não me preocupo com as inspeções e ainda há cerca de dois meses tivemos aqui uma. Não vejo as inspeções como algo de mau mas antes como oportunidade de melhoria dos serviços. Vão aparecer certamente recomendações que podem até servir de alavanca à mudança de procedimentos menos bons, pela força que têm.
BP – Qual a sua perspetiva sobre a integração das organizações privadas de proteção civil no sistema?
MMC – Têm surgido várias estruturas voluntárias nesta área e estamos a elaborar legislação enquadradora para regular essas atividades. Há muita gente a querer mexer e julgo que esse é um sinal bastante positivo numa área onde todos somos precisos.
Uma coisa é juntarmo-nos em exercícios, outra coisa é operacionalizar a atuação de todos e é nesse sentido que estamos a trabalhar pois estas estruturas têm um papel muito importante ao nível local.
BP – O atual ministro da Administração Interna já falou na eventualidade de retirar os elementos do GIPS da GNR das brigadas helitransportadas, mantendo esta estrutura apenas em missões de vigilância e fiscalização no terreno, a componente terrestre. O que pensa disto?
MMC – Tenho-me apercebido que a intenção é reduzir gradualmente a dimensão do GIPS aumentando a da FEB. No futuro ter a FEB em todo o país e o GIPS passar a ser apenas reserva nacional para situações mais extraordinárias.
Estou de acordo com esta visão porque a missão primária da GNR não é apagar fogos. Apagar fogos é para bombeiros e temos uma Força Especial que poderá fazer muito bem esse trabalho.
BP – Mas foram investidos milhões de euros no GIPS…
MMC – Certo e eles fizeram o seu trabalho e bem. O GIPS tem uma série de meios que poderão ser reconvertidos mais tarde e o pessoal será sempre aproveitado porque antes de tudo eles são guardas.
BP – Desafio-o a dirigir-se ao DECIF num tom mais informal. O que diria a estes homens se pudesse falar com eles um a um?
MMC – Um a um? (sorrisos)No fundo era aproveitar mais esta oportunidade para evidenciar a importância do trabalho que os bombeiros portugueses desenvolvem. Agradecer-lhes a disponibilidade permanente ao serviço do país que demostram sempre que são chamados a intervir e dizer-lhes que a ANPC está confiante no seu trabalho e sempre disponível para os apoiar.
Entrevista: Patrícia Cerdeira
Fotos: Marques Valentim
JORNAL BOMBEIROS DE PORTUGAL
2 comentários:
Já estava na hora de acabarem com os GIPS! só trabalham no verão! que vergonha....Será que acabem já este ano? espero que sim! :)
GIPS e FEB é tudo farinha do mesmo saco. Chularia, peneiras e maias. A FEB deve também ser extinta, transferindo os elementos para os CB em regimes de EIP's, com toda a gente a vestir a mesma farda e a ser tratado da mesma maneira. Deixar apenas 2 companhias de reserva baseadas me Santa Comba Dão e Lisboa.
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