Ter o carro e não usá-lo. Ou então nem chegar perto de comprar um, mesmo tendo condições financeiras para tal. Isso, claro, pode ser uma opção (privilegiar o transporte público realmente é uma ótima ideia) ou então a doce sensação do status ao afirmar que “só anda de táxi” (e é uma pena que eles não sejam amarelos e charmosos como em Nova York). Mas se você sente certo temor, percebe um suor brotando na palma das mãos, um frio na espinha ou aquelas tremedeiras nas pernas, você, no íntimo, sabe: é fobia de dirigir.
Isso só acontece com pessoas que sofreram um acidente e desenvolveram um estresse pós-traumático, certo? Erradíssimo. Em praticamente 97% dos casos de fobia de dirigir, as pessoas nem sequer passaram perto de algo perigoso. No máximo, uma raspadela do carro no portão ao sair da garagem.
“A grande maioria das pessoas que atendemos, e que possuem fobia de dirigir, ou nunca tentou dirigir ou desistiu após algumas tentativas”, afirma Cláudia Ballestero, psicóloga clínica, presidente da Associação dos Portadores de Transtorno de Ansiedade (Aporta) e que também coordena e supervisiona uma clínica especializada em fobias para dirigir. “Claro que temos casos daqueles que passaram por algum episódio traumático, mas eles são exceção, ao contrário do que as pessoas normalmente acreditam.”
A especialista lembra que a principal diferença entre medo e fobia de dirigir é a sensação paralisante enfrentada pelos fóbicos. “Quem tem medo pode ficar nervoso. Já a fobia é impeditiva, deixa a pessoa em uma situação de paralisia, congelada. Quem tem fobia de dirigir tem problemas até mesmo para entrar no carro”, explica Cláudia.
Perfeccionistas são as grandes vítimas
A principal característica observada nessas pessoas que não chegam nem perto do carro, por uma questão fóbica, é o perfeccionismo. “O que mais ouvimos das pessoas com medo de dirigir é a afirmação: ‘se é pra fazer malfeito, eu não faço’”, diz Cláudia.
Para a psicóloga, o ato de dirigir é um aprendizado calcado no erro e que expõe demais as pessoas. Algumas, como aquelas com o perfil perfeccionista, não conseguem lidar com a crítica, de nenhuma forma. Isso contribui para a paralisia do ato de dirigir.«
A fuga de uma situação que é social – dirigir envolve relacionar-se com pessoas, mesmo que através da lógica do trânsito –, em que é preciso errar e na qual a flexibilização da personalidade é imprescindível para lidar com as situações, como aquelas mais constrangedoras, quando o carro “morre” após o semáforo abrir, o que poderia ser resolvido com um movimento de ombros e um sorriso amarelo se transforma em um drama, em um palco onde o perfeccionista acredita ser a estrela principal.
Outra coisa, explica Cláudia, é o excesso de planejamento que os perfeccionistas se infringem. “A fantasia do controle completo dos afazeres diários é o calcanhar de aquiles dos perfeccionistas: se algo dá errado, eles têm grandes problemas para contornar o acontecido. Imagine no trânsito, em uma cidade minimamente movimentada, não dá para ter controle”, diz a especialista.
Para Cláudia, quando se fala em trânsito, não é possível falar de caminho, mas de percurso, e é preciso jogo de cintura e adaptações de momento para vencer certos obstáculos indesejáveis. “E isso é inexplicável para alguém perfeccionista e ansioso, para quem o planejamento antecipatório é hábito corrente.”
Terapia de enfrentamento
“Nessa fobia específica, não há como fugir: a terapia pode começar no consultório, mas é no enfrentamento que ela vai produzir resultados”, afirma Cláudia, explicando que entrar no carro e sair dirigindo faz parte do tratamento. Enfrentar o batalhão de “críticos” e aprender a lidar com os outros dentro de um contexto social chamado trânsito é um passo importantíssimo para esses pacientes.
Também, é preciso compreender que dirigir é realmente difícil. A pessoa precisa se convencer de que o ato de dirigir é uma superação diária. Para quem já adquiriu o hábito, pode parecer algo fluido, mas não é: dirigir se baseia em uma série de movimentos fragmentados, sequenciais e ritmados.
Ninguém olha pra um baterista de uma banda de rock e diz: ‘isso aí é fácil de fazer’. “Dirigir também não é nada fácil”, sentencia Cláudia. E quem sofre de fobia precisa se convencer de que vai precisar de treino e que vai errar bastante: antes de serem bons motoristas, todos que dirigem foram péssimos motoristas.
Os pacientes que passam para a fase de enfrentamento dentro do carro, claro, contam com apoio psicológico e mesmo técnico, de instrutores, também especializados.
Autoescolas: fonte de traumas
Os instrutores mal preparados, aliás, são a outra fonte de episódios ligados aos traumas que afligem alguns pacientes com a fobia de direção. “Instrutores mal preparados é algo bastante comum, e ouvimos falar muito sobre esse problema durante as sessões de terapia envolvendo traumas psicológicos”, afirma Cláudia.
Entre as histórias estão casos de alcoolismo, uso do percurso de treinamento para fazer trabalhos paralelos, e total falta de tato com os alunos. “Não são nada incomuns as histórias de instrutores que gritam e perdem o controle emocional durante as aulas de direção”, exemplifica.
Esses instrutores, diz Cláudia, acabam instalando o medo nos alunos, e a fobia pode ser uma decorrência de um estresse relacionado às reações do instrutor durante o processo de treinamento.
A inexistência do carro
E há também casos de traumas menos comuns, mas bastante peculiares, como o daquelas pessoas para quem o ato de dirigir não era algo comum na família. Não houve nenhum tipo de preparo do indivíduo para o fato de que algum dia ele iria precisar usar um carro para executar determinadas tarefas ou se movimentar. “Para algumas pessoas, o carro passou a ‘existir de uma hora para outra’”, observa Cláudia.
De todo modo, o tratamento no consultório para tratar a ansiedade e outros transtornos relacionados com o problema é imprescindível, e o ambiente do automóvel é o passo final para acabar de vez com a fobia de dirigir. “Não é nem demorado nem rápido: é no tempo que a pessoa precisa. Os homens chegam em um pior estado e acabam queimando etapas, se resolvendo mais rápido. As mulheres não esperam chegar ao limite do problema e são mais metódicas durante o tratamento. Mas todos, sem exceção, se resolvem e voltam (ou começam) a dirigir”, tranquiliza Cláudia.
1 comentário:
como posso obter o contacto da psicóloga?
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