Os últimos três anos têm sido difíceis para Arnaldo da Silveira, 69 anos. Depois de uma sequência de problemas cardíacos, que começaram com uma angina, mas se multiplicaram ao longo do tempo, o baiano teve sua função cardíaca afectada. Tarefas simples do cotidiano deixaram de ser algo fácil para ele. “Tenho dificuldade de fazer qualquer tipo de exercício. Caminhar e até subir escadas eu só consigo se for bem devagar”, lamenta o aposentado, que, no início do ano, teve um novo susto: um princípio de enfarte — felizmente, controlado pelos médicos.
Hoje, mesmo com uma vida mais regrada, evitando fortes emoções e cuidando da alimentação, Arnaldo não consegue voltar a ter a mesma disposição. “Mesmo tomando cinco comprimidos todos os dias, tenho que levar uma vida mais calma, sem muitas agitações e sem stress, caso contrário o coração dá problema novamente”, conta. Hoje, mantém um acompanhamento rigoroso com um cardiologista, mas, por conta da complexidade dos seus problemas, não se pode submeter a uma cirurgia correctiva no coração.
Uma pesquisa que está ser desenvolvida por especialistas do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e pelo Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (IC-DF) pode representar uma nova esperança a pacientes como Arnaldo, que, com medicamentos, conseguem controlar o avanço dos problemas cardíacos, mas têm a qualidade de vida afectada pelo mau funcionamento do coração. Os especialistas descobriram que o estímulo eléctrico numa região central do corpo pode ajudar a aumentar a capacidade física dessas pessoas, que se sentem exaustos após tarefas tão corriqueiras quanto tomar banho ou andar da sala para a cozinha.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores utilizaram um aparelho de estimulação eléctrica neuromolecular transcutânea, o TNS. “Ele é amplamente utilizado na área desportiva, como para o tratamento da dor”, conta o líder do estudo, o médico Gerson Cipriano Júnior. Só que, em vez de utilizá-lo nos braços e pernas, como ocorre com os desportistas, os pesquisadores testaram ligar os electrodos numa região superior das costas, bem próxima ao pescoço. “Por essa região ser central, os pulsos elétricos conseguem agir em todo o sistema circulatório, e não apenas na região onde ele é aplicado”, explica o especialista.
Embora os dados finais ainda estejam sendo tabulados, os pesquisadores afirmam que a melhora da condição física foi visível e notada pelos próprios pacientes. “Eles próprios perceberam que, mesmo com apenas uma aplicação, houve um aumento da capacidade física. Alguns pacientes, após uma única aplicação, conseguiram se exercitar três minutos a mais do que antes”, comemora o médico. Pode parecer algo ínfimo para as pessoas saudáveis, mas, para quem mal consegue caminhar, qualquer capacidade a mais é uma conquista importante, garantem os especialistas.
Eles, no entanto, não sabem exatamente como o efeito é alcançado. “Uma das hipóteses é de que os impulsos estimulem uma glândula torácica responsável pela transmissão de estímulos entre o sistema nervoso parassimpático (SNP) e o sistema nervoso simpático (SNS).” Essas duas vertentes do sistema nervoso são responsáveis pelo controle das atividades vitais do organismo, como os batimentos cardíacos. Quando o SNS está muito ativo, ocorre um enrijecimento dos vasos sanguíneos, o que atrapalha a circulação. A ativação da glândula causaria então uma depressão do sistema nervoso simpático. “Assim os vasos tornam-se mais relaxados, facilitando a circulação do sangue em todo o corpo”, completa.
Método
A médica e pesquisadora do IC-DF Alexandra Sánchez explica que a pesquisa foi feita com pacientes com dois problemas no coração muito distintos. “Um terço dos voluntários possuía insuficiência cardíaca isquêmica, ou seja, resultante de um enfarte. A escolha é por esse ser o tipo de insuficiência cardíaca mais recorrente mundialmente”, conta a cardiologista. Outro terço dos pacientes possuía insuficiência cardíaca em função do mal de Chagas. “Apesar de, no mundo, essa não ser uma doença frequente, nós a escolhemos por ser um problema muito comum na região Centro-Oeste, assim como em outros lugares do interior do Brasil”, completa. O terceiro grupo era de pacientes saudáveis, que serviram de parâmetro de comparação para a pesquisa.
Os dois males, tão diferentes, foram escolhidos para testar amplitude da eficácia da nova ferramenta. “Como a estimulação elétrica em pacientes com problemas resultantes de causas tão distintas tiveram os mesmos resultados, essa é uma das razões que nos leva a crer que outros tipos de insuficiências cardíacas, como a causada pelo uso de álcool e drogas, também podem ser beneficiados por esse tipo de tratamento”, completa a médica, que também é aluna da pós-graduação em Ciências da Saúde da UnB. “Assim, além de melhorar a condição física dos pacientes, o tratamento faz com que eles voltem a ter a capacidade de se exercitar. Esse exercício ajuda a aumentar a capacidade de circulação, o que também melhora a saúde dos pacientes.”
Segundo os pesquisadores, o próximo passo da pesquisa será testar os efeitos da estimulação elétrica a longo prazo. “Queremos saber como os pacientes reagem ao serem submetidos a sessões frequentes durante três meses”, conta a médica. “É aí que começa a fase mais difícil da pesquisa. Agora precisamos que os pacientes venham ao hospital várias vezes na semana, e não existe muito apoio para esse tipo de pesquisa”, completa o colega Gerson Cipriano Júnior
Fonte: Correio Braziliense
Sem comentários:
Enviar um comentário