Depois de tudo o que foi dito nos últimos dias acerca de um relatório, ainda por cima preliminar, que supostamente endossa responsabilidades aos bombeiros sobre as trágicas mortes dos seus companheiros no combate ao fogo, a nossa primeira reação só pode ser de mágoa e revolta.
Mágoa pelo facto de não nos ter sido dado conhecimento atempado, como se aigura lógico e legítimo. Revolta pelo facto de, independentemente da evolução do próprio processo, mais uma vez, sem “armas” nem contraditório com que se defendam, os bombeiros estejam a ser julgados no tribunal da opinião pública.
O mal está feito. E, bem podem vir com desculpas e panaceias.
Sabemos do conteúdo desgarrado do dito relatório preliminar, estranhamente, por que alguém teve acesso direto a ele. Seria interessante apurar de onde partiu a fuga de informação. Ou ficará esta situação, como outras, perdida nas lamas do pantanal em que alguns chafurdam e tentam denegrir os bombeiros?
O dito relatório preliminar não é citado na íntegra. As citações são feitas de forma desgarrada e até inconsequente mas com pretensas conclusões que já ditaram um juízo temido. Não, por que tenhamos a temer seja o que for. Mas apenas por que a forma acintosa e “anónima” como ele é posto na praça pública não assegura nada de bom em termos de princípios, de ética, de rigor e de isenção.
E se o relatório não é nada do que se diz, então que o digam com o detalhe e o volume de voz exigido. Muito se tem falado deste relatório mas, estranhamente, em detalhe, nada se sabe dele.
O MAI diz que não se trata de caça às bruxas. A própria ANPC reclama que imputar responsabilidades aos bombeiros é “despropositado”.
Os autores do mesmo relatório também já vieram dizer que “não está ainda concluído”. Venha, então, rapidamente a versão final dele para que, inalmente, possa ser devidamente avaliado na sua globalidade e detalhe. De qualquer modo, como atrás vos disse, diga-se o que se disser a partir de agora, o mal está feito. Só falta dizer que os bombeiros mortos em combate quase o fizeram de moto próprio.
Expliquem-nos as razões de tudo isto. Acredito que com o detalhe e o rigor científico e técnico que se exige num relatório deste tipo tudo estará obrigatoriamente ali descriminado e contextualizado no espaço e no tempo.
Continuo a questionar-me sobre a quem adianta a divulgação dos excertos desgarrados do tal relatório preliminar que, pelos vistos, ninguém divulgou?
Não posso deixar de manifestar a minha revolta pela forma torpe, até leviana, como as informações foram usadas. E, para além do facto de não termos nada a esconder ou a temer, para já, importa respeitar a memória daqueles que nos deixaram em circunstâncias dramáticas, com muito sofrimento pessoal, com o sofrimento para as famílias, amigos e companheiros dos corpos de bombeiros. A busca da verdade, que defendemos e em que acreditamos, não se apura com fugas de informação.
O que nasce torto tarde ou nunca se endireita e assim estamos nós. Sabemos que os bombeiros são seres humanos como os outros mas que, pelas circunstâncias da sua atividade, se expõem a situações de risco múltiplo que nem a formação nem o treino podem muitas vezes permitir ultrapassar. Mas essa é uma questão completamente diferente.
Apure-se tudo o que haja a apurar mas não se tirem conclusões, nem precipitadas, nem ínvias.
Felizmente, as populações, que todos os dias são servidas pelos bombeiros, não pensam assim. Não só, pelo conhecimento que tem das suas atividades na generalidade, mas também, pelo conhecimento, tantas vezes direto, da sua intervenção em socorro de muitos deles, em particular.
Boas práticas e competências em diversas áreas e especialidades são a melhor demonstração qualitativa e quantitativa dos bombeiros que, sendo seres humanos, falíveis como todos, contudo, nunca baixam os braços na defesa do bem-estar e da segurança das suas comunidades.
Inclinemo-nos perante a memória dos que nos deixaram, trágica e prematuramente, e que com o seu exemplo e sacrifício escreveram novas páginas de ouro do historial dos Bombeiros Portugueses.
Quando o relatório final vier cá estaremos. Não se confunda a vontade inquebrantável de apurar a verdade com o resto. Temos para nós que alguns, os que quebraram o sigilo e a ética profissionais sobrepondo os seus interesses pessoais aos interesses da isenção, do rigor, da dignidade e dos princípios levam-nos a aconselhar quem de direito à intervenção dos Ministério Público.
Cmdt. Jaime Marta Soares
Presidente do Executivo da Liga de Bombeiros Portugueses
Numa nota no Jornal Bombeiros de Portugal, Edição de Dezembro de 2013
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