Uma herança inesperada transformou os bombeiros de Freixo de Espada à Cinta em empresários agrícolas dispostos a tirar da terra o "desafogo financeiro" para servir a comunidade sem dependência dos subsídios dos Estado.
Uma benemérita da aldeia de Ligares decidiu deixar-lhes a sua fortuna em imóveis e propriedades agrícolas. Eles deitaram mão à enxada e converteram em terra fértil terrenos há anos ao abandono.
São 53 hectares de uma quinta em que muito do trabalho segue o lema do voluntariado. Contudo, estas terras também dão emprego a gente da zona. A quinta já beneficiou de apoios comunitários e será complementada com um projecto de turismo rural.
O comandante Sá Lopes, impulsionador deste trabalho na aldeia da benemérita, acredita que "a curto, médio prazo a quinta será auto-sustentável e contribuirá para a autonomia financeira dos bombeiros".
Para o presidente da Associação Humanitária dos Voluntários, Eugénio Tavares, o "balão de oxigénio" será a venda de outras partes da herança, como uma casa em Cascais e uma quinta na zona demarcada do Douro vinhateiro, em Barca D''Alva.
Eugénio Tavares não avança números, fala apenas "num valor bastante elevado que garantirá a independência financeira dos bombeiros em relação a subsídios estatais".
"Vamos poder respirar de alívio", assegurou, adiantando que a primeira preocupação será a renovação da frota da saúde (ambulâncias). Com "bens tão valiosos", Eugénio Tavares acredita que esta herança é inédita no país e agradece a "feliz ideia da "menina" Veneranda de Castro Martins", que nunca casou nem tinha herdeiros.
Faleceu há pouco mais de doze meses, aos 86 anos. Foi a empregada que a acompanhou durante quase meia vida, Vitória Ferreira, que lhe deu a ideia, como contou a própria à agência Lusa.
Avistando um grande incêndio, Vitória comentou: "Com tanto trabalho que eles têm, nunca ninguém se lembra dos bombeiros e são eles que nos acodem." "Tens razão" foi a resposta que levou a benemérita a fazer o testamento.
Fez-se um contrato de arrendamento ainda em vida de Veneranda de Castro Martins. Há três anos os bombeiros começaram a trabalhar nas terras junto à aldeia - agora até são sócios de organizações agrícolas. Já plantaram 21 hectares de novo amendoal a somar a 13 de olival, cerca de três hectares de vinha, parte dela beneficiada (recebe subsídio), e nove hectares e meio de sobreiral.
Construíram um edifício de apoio com material reciclado de outras obras e ofertas, com mão--de-obra voluntária como a do bombeiro Ricardo Sapage, que dá o que sabe de construção civil.
O comandante quer aproveitar o espaço também para formação de bombeiros e espera ter já no próximo ano as condições necessárias.
Além disso, procura programas para financiar a adaptação da antiga casa da benemérita ao turismo rural, a pensar nos barcos que chegam com turistas do Douro. "Se a flor da amendoeira é um chamariz, nós vamos ter aqui um mar de amendoeiras", disse.
Parte da casa será convertida num espaço museológico dedicado aos bombeiros e à benemérita.
Para o comandante, "em tempos de crise a agricultura é que dá" e prova disso é que "já há muito tempo não via mexer tanto na terra como nestes últimos dois anos".
Além do voluntariado dos cerca de 70 bombeiros da corporação, há dois postos de trabalho fixos na quinta e são pagas jeiras [salários diários] como as das três jovens que estão a plantar o novo amendoal: Sílvia Vianês, Sónia Lopes e Mafalda Salgado.
Para as jovens, estas jeiras de algumas semanas são "uma oportunidade de irem ganhando alguma coisa em vez de estarem estarem em casa sem fazer nada e sem rendimentos". As três "estavam paradas" e o que ganham ali vai dando para se "orientarem". "Mais que não seja para comer. Já é bom", garantem.
H. F. I. / Lusa
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