No final de um ano negro para os soldados da paz há quem questione a bondade de Deus e há quem decida ir a Fátima agradecer. Há ainda quem se recorde de celebrar missas ainda a cheirar a fumo.
Dizem os ingleses que "nas trincheiras não há ateus". E nas florestas e nos matos que ardem? Haverá bombeiro que em situação de aperto não invoque protecção divina?
“Por mim falo e sei de outros. Quando nos sentimos aflitos fazemos logo um apelo, sem dúvida que a fé e a esperança são a última coisa a perder”, diz o comandante Luís Zeferino, dos Bombeiros Voluntários de Albufeira.
A sua corporação vai este sábado a Fátima para agradecer o ano que passou, mas também para rezar pelos seus colegas que não tiveram a mesma sorte. A peregrinação é inédita e partiu do convite de um acólito da paróquia de Albufeira, que costuma guiar os peregrinos a Fátima.
“O nosso grande objectivo é agradecer mais um ano sem qualquer incidente grave neste corpo de bombeiros e ao mesmo tempo associar-nos a uma homenagem aos nossos colegas falecidos e feridos nos incêndios em 2013”, explica o comandante Luís Zeferino.
Na opinião de Luís Zeferino, fazia falta um acompanhamento espiritual dos bombeiros e, também, dos seus familiares: “Seria uma mais-valia, não só a nível espiritual, mas também a nível psicológico. Os bombeiros sofrem traumas bastante grandes. As mortes aconteceram no norte mas o reflexo faz-se sentir também no sul, não só entre nós, mas também com os familiares, porque eles também sofrem com toda esta problemática, sentem muito todo este ano negro que aconteceu e rezavam para que os fogos parassem para que os seus queridos não fossem para o combate aos incêndios daquela dimensão.”
A quase 600 quilómetros de distância está um homem que não podia estar mais de acordo. João Amaral é bombeiro há 11 anos e sacerdote há dois. Uma capelania, pelo menos a nível distrital, seria uma boa forma de a Igreja mostrar aos bombeiros que está com eles, considera.
“Poderia haver um bispo para tomar conta dos bombeiros. Se formos a ver ultimamente há muito mais baixas ao nível dos bombeiros do que ao nível dos militares [que têm uma diocese própria], mesmo que eles tenham estado em missões de paz no Iraque, no Kosovo, no Afeganistão, felizmente não há relatos de vítimas recentemente, mas com os bombeiros todos os anos há vidas ceifadas.”
“Devia haver a preocupação de se criarem capelanias, pelo menos alguém que, a nível distrital, dissesse que estão com os bombeiros, para que eles não se sintam abandonados”, afirma.
Enquanto isso não se passa, o padre João vai dando por si a cumprir informalmente esse papel na corporação de Penedono, no Douro: “Sou mais um bombeiro mas sou um bombeiro que eles respeitam de forma especial, têm mais atenção quando digo alguma coisa e há alguns que também vêm pedir mais conselhos.”
Perante anos negros com os de 2013, em que morreram oito bombeiros em serviço, muita coisa é posta em questão: “Ficam com dúvidas sobre este Deus que na lógica da Igreja é benigno, misericordioso, mas eles não percebem, se este Deus é bom, se é justo, então porque é que há tantos criminosos por aí e há bombeiros que morrem em teatros de operações. Uma pessoa vai tentando dar-lhes o ponto de vista de que Deus criou-nos livres”, explica o sacerdote que no pico da época dos incêndios chegou várias vezes a celebrar missa ainda a cheirar a fumo.
Com mais ou menos questões teológicas, de uma coisa o padre bombeiro não tem a menor dúvida: “não há ninguém com mais fé que os bombeiros, porque eles sabem que podem não voltar, mas vão”.
Este ano arderam em Portugal mais de 120 mil hectares, naquilo que foi um dos piores anos da história recente, sobretudo a nível de vítimas mortais entre os soldados da paz.
Fonte: RR
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