Quando iniciamos a nossa conversa com o Major Fernandes, constatamos de imediato que estavamos perante o verdadeiro líder de homens, em toda a ascensão da sua palavra.
Homem respeitado pelos corredores do quartel, e de um inqualificável respeito pelas fardas... não hesita um segundo que seja, quando se trata de defender os seus bombeiros, “quando aqui cheguei, faz agora 5 anos, e fui para um acidente apercebi-me que o GNR, era o Senhor GNR, que o PSP era o Senhor PSP, e os técnicos do socorro eram os básicos do acidente. Fui forçado a chama-los á razão e dizer-lhes que eles estariam no mínimo dos mínimos em situação de igualdade com todos os outros intervenientes do socorro”, e prossegue visivelmente incomodado com o que se passava, “hoje as mentalidades são diferentes e tudo mudou...”
Foi desta forma que o Comandante dos Voluntários de Bragança nos recebeu no seu amplo gabinete, e de onde se tem, através de uma vasta janela, uma vista privilegiada da avenida principal de Bragança. Em todos os pormenores do gabinete exibe-se uma exigência suprema por cada objecto no seu devido lugar, denotando assim, que atrás daquela secretaria estaria uma pessoa de rigor, ordem e exigência no trabalho.
Sem papas na língua, “e sem nada que o amedronte”, o Major Fernandes, homem de estatura media, cabelo grisalho e de uma postura afável mas não menos respeitadora e forte, dispara sem hesitar, quando se fala nas áreas de intervenção, “Eu sou contra as companhias destacadas, os bombeiros em Portugal estão demasiado partidos, demasiado fragmentados, e os próprios comandantes com essa situação perdem poder, coesão e liderança. Quanto mais dividirmos, menos reinamos”, e avança em tom intimidatório, “não me repugnava nada, se Izeda fosse uma secção de Bragança, mas as pessoas são muito bairristas e gostam de ter os seus bombeiros.”
O corpo de bombeiros de Bragança “dispõem de 124 elementos e 33 viaturas de combate a incêndios e saúde, que chegam perfeitamente para as nossas necessidades, embora nós “consumimos” duas ambulâncias por ano… aliás eu costumo dizer que aos dias úteis nos vamos sempre até Moscovo, porque na verdade fazemos 5000 Km/dia, e perfazemos um total anual de 1 500 000 Km.”
Quando entramos no gabinete do comandante não tínhamos em mente aborda-lo acerca da colaboração mútua com os vizinhos Espanhóis, porem, face a duas bandeiras que se encontravam lado a lado em cima de uma pequena mesa do gabinete, puxamos a questão para a entrevista, “se nós virmos um incêndio vamos, se eles virem também vão, quando se trata de incêndios na fronteira estão sempre os dois lados."
No que toca aos incêndios urbanos e industrias temos acordos com cinco alcaides (Presidentes de Câmara) da região, onde a primeira intervenção e mesmo a extinção é da nossa responsabilidade, com os custos ressarcidos por parte dos respectivos alcaides. Mais, o Alcaide de Zamora queria fazer um protocolo muito mais alargado, só que nós entendemos que aí estaríamos a comprometer o nosso Concelho, pelo que nos vimos forçados a declinar o convite.”
Confesso, que na viagem para Bragança, se comentou a viva voz, como seria um Comandante Militar no activo á frente de um corpo voluntário. Nesse sentido, foi textualmente essa a pergunta que colocamos ao Ex. Mo Sr. Comandante de Bragança, á qual obtivemos a seguinte resposta: “Sim, sou o único militar no activo á frente de um corpo de bombeiros voluntários, o convite surgiu da câmara municipal e dos próprios bombeiros, e como é a minha terra, não hesitei por um segundo e decidi aceitar, e vou-lhe dizer isto vicia! Na minha profissão, chegamos ás 17 h de sexta-feira e após a formatura desligava o telemóvel e a guerra acabava. Depois só começava na segunda-feira ás 08h… aqui a guerra trava-se 24 h por dia, 365 dias por ano… por vezes fico sem rede no telemóvel 5 minutos e penso logo que poderá ser nesse momento que alguma coisa acontecerá...”
Quando confrontamos o Major Fernandes com as suas primeiras decisões após a chegada ao CB, ele olhou para nós, parou uns segundos... hesitou, pegou na caneta e começou a esboçar num calendário de mesa uns pequenos rabiscos, como que a ganhar tempo para ponderar a resposta... olhou novamente para nós e disparou: “o que mais me fez confusão quando cheguei, é que perante um incêndio saía um carro, chegava ao teatro de operações viam que não chegava, ia outro, depois esse não chegava, ia outro, depois não chegava, iam os meios aéreos, e um pequeno foco que poderia demorar 30 minutos a debelar prolongava-se pela tarde inteira”, mas no seu tom calmo e ponderado, ajeitando o cabelo com a mão direita prosseguiu, “esse foi o primeiro grande desafio, tínhamos de passar actuar em massa, em força, e a doutrina nacional hoje dá-me razão."
Quando interrogado sobre a sua ascensão a CODIS, avança que uma rapidez implacável "eu quero dizer a todos, e aproveito esta oportunidade dada por vocês, que eu quando sair daqui, vou para casa ou para a reserva do exercito, quando deixar de ser comandante não vou ser mais nada...”
Acerca dos GIPS da GNR e da FEB o Comandante foi pragmático, não deixando margem para duvidas quanto á sua opinião, “o espaço é só um, quando uns não o querem, vem outros, e a imagem e vontade dos bombeiros era má... depois apareceu alguém com rigor e disciplina que esta a tentar impor-se, só que falta-lhes meios humanos e materiais, e há uma coisa que eles não tem... é a vontade e espírito da comunidade dos voluntários.”
Mas quando interrogado sobre o crescimento dos GIPS, o nosso interlocutor é honesto e directo, sem ponderar a resposta, “os GIPS já estão na curva descendente”.
Quanto á relação com aquela força, a mesma “tem sido excelente, até porque eu costumo dizer que se não me querem ouvir como comandante do CB, então eu falarei com eles enquanto Major”, mas afiança, “até ao dia de hoje não foi necessário”.
De trás da sua secretária, e com a caneta na mão, atira mais uma vez sem medo, “o Governo esta apoia-los muito mais do que aos bombeiros, mas dêem-nos os meios que eles tem e vão perceber que fazemos melhor.”
Ainda neste domínio, há uma afirmação que importa reter, “a estrutura dos bombeiros tem culpa do aparecimento dos GIPS, inclusivamente a LBP. Repare, se você contratar um funcionário, paga-lhe e ele tem que fazer, nos bombeiros isso não se passava, ou seja ia-mos reivindicar viaturas, material e apoios, depois quando o estado precisava de nós, alguns comandantes limitavam-se a dizer que não iam porque o material era deles, claro que o estado teve necessidade de criar mecanismos de protecção própria, os GIPS foram a solução para este problema.”
A recente Portaria que veio regulamentar que cada bombeiros tem que ter como minímo de serviço e formação 270 horas anuais, foi o tema seguinte da nossa conversa, e aí o comandante é unânime com os restantes presentes no gabinete, “tínhamos de acabar com os bombeiros de papel, e penso que esse numero de horas não é exagerado, e nem vejo que isso seja o fim do voluntariado”
Quanto o BPS lhe deu a novidade de que se projecta alterar a Portaria para 605 operacionais, obtivemos apenas esta resposta: “a corda não pode ser muito esticada, porque senão o bombeiro pondera se as horas que abdica do seu bem-estar familiar de lhe compensa, e vai acabar por nos dizer “até amanha, mas eu não estou disposto”, e talvez acabemos com a operacionalidade comprometida!”
A conversa corria em tom agradável, e onde salientamos a franqueza e a honestidade do comandante, quando em cima da mesa metemos a palavra INEM, e também nesse campo fomos premiados com algo que todos sabemos, “o INEM não assume todo o socorro pré hospitalar porque não tem dinheiro. Depois é lamentável o exibicionismo e as campanhas de marketing que o INEM faz. Um exemplo, é a SIV de Mirandela, quando é a velhinha vai lá a SBV dos bombeiros, a seguir há uma outra velhinha nas mesma condições, mas com a televisão á porta e já vai a SIV, posso-lhe dizer que enquanto eu for Comandante desta casa isso não vai acontecer em Bragança, se querem assim, vem buscar o carro e asseguram eles o socorro no Concelho.”
E prossegue em tom critico, levando ligeiramente a voz, “o marketing do INEM, vai ao ponto de ter as ambulâncias amarelas, e mais… não é por acaso que a VMER quando sai, ligam a sirene em qualquer lado a qualquer hora... é que se levarem só os strobes podem não ser vistos, com as sirenes, todos vão olhar para um carro em alta velocidade que diz “INEM” de lado”, e deixa uma interrogação no ar, “isto não é marketing?”
Também no que toca ao CODU, o Major Fernandes é muito critico, “essas centrais deveriam ser integradas, com elementos de vários sectores do socorro, e distritais, porque repare, a realidade social do Porto é muito diferente de a de Bragança. Eu não posso admitir que a ambulância seja accionada na nossa central 6/7 minutos depois de a chamada chegar ao CODU, e eu sei do que estou a falar... porque já fizemos esse teste...”
Para finalizar, pedimos ao comandante para deixar uma mensagem aos bombeiros Portugueses. O Major, olhou para mais uma vez para nós, como que inadvertidamente, criou-se um brilho nos seus olhos, e avançou, “espero que todos os bombeiros deste país tenham orgulho na farda que envergam, porque na verdade, quem é bombeiro uma vez, é bombeiro a vida inteira...” Presente estava também o 2.º comandante Carlos Martins, pessoa reservada, mas de aspecto serio, impecável, e devidamente talhado para a função que exerce, deixando bem patente a confiança mútua entre comandantes, e foi precisamente a ele que lhe pedimos uma palavra acerca do BPS, onde orgulhosamente nos disse “que o blog esta a fazer um trabalho de muito valor, dando voz a quem não a tinha, e acima de tudo o importante é que não deixem que se cai em exageros.”
Reportagem de : http://www.bombeirosparasempre.blogspot.com/
1 comentário:
Quero facilitar pela excelente entrevista que o vosso comandante deu, mas somente peca pelo fardamento que usa, (é somente um pequeno aparte), gostei, parabéns.
Enviar um comentário